
Foram quase duas décadas longe de casa. Jorginho, aos 33 anos, enfim realizará um sonho adiado desde a infância: jogar profissionalmente no futebol brasileiro. O meia, que construiu toda a sua carreira na Europa, foi anunciado nesta quinta-feira (6) como novo reforço do Flamengo.
A contratação encerra uma longa espera da torcida, que acompanhava os bastidores de sua decisão desde que deixou o Arsenal. Agora, com a camisa do clube mais popular do país, Jorginho quer reescrever sua história e, enfim, se conectar com o futebol que sempre ficou em segundo plano em sua trajetória.
Infância difícil e tentativas frustradas no Brasil
Antes de brilhar na Europa, Jorginho passou longe do glamour. Ainda garoto, tentou ser aceito por clubes brasileiros tradicionais, mas só ouviu negativas.
– Quando eu era pequeno, meu pai tentou me levar para fazer testes em clubes. Passei pelo São Paulo, pelo Palmeiras e pelo Inter, contou à FIFA.
O meia lembra com detalhes da época em que, por volta dos 12 anos, foi levado para testes em São Paulo pelo pai, que já vivia com outra esposa na capital paulista.
– Eu tinha apenas seis anos quando meu pai se separou da minha mãe e saiu de Imbituba. Ele começou a viver entre Criciúma e São Paulo por causa do trabalhos, lembrou.
– Com uns 12 anos, ele decidiu me levar para os clubes. Nessa época, ele já estava com uma nova esposa, a Dilce, que morava em São Paulo. Eu ficava na casa dela e ele me levava para os testes. Fui ao São Paulo, fiz alguns treinos, mas não rolou. Depois, tentei no Palmeiras, fiz dois treinos e também não deu certo. E ainda passei pelo Inter, continuou.
Em Porto Alegre, ele teve uma nova chance, mas também sem final feliz.
– Em Porto Alegre, a oportunidade não veio pelo meu pai, mas de uma peneira famosa que teve na minha cidade, organizada pelo Mario Júnior, um dos meus primeiros mentores. Eles me escolheram para ir ao Inter fazer uma semana de treinos. Fui, fiz a semana e voltei para Imbituba, lembrou.
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Da frustração à Europa: o trauma que ficou
Aos 15 anos, surgiu a chance de ouro: uma proposta do Verona, da Itália. Mas o começo da jornada internacional também teve seus dramas.
Jorginho foi escolhido ao lado de outros quatro colegas do projeto de empresários italianos em que atuava no interior de Santa Catarina. No entanto, algo deu errado no embarque: ele foi barrado na imigração por falta da assinatura do pai no documento.
– Eu não ia sozinho, estava com eles. Mas o que aconteceu? Cheguei em São Paulo, na imigração, e fui barrado. Os outros meninos passaram, e eu fiquei… no Brasil. Faltava a assinatura do meu pai no documento, só tinha a da minha mãe. Como eles eram divorciados, deu ruim. Eu pensei: ‘Caramba, os caras passando e eu aqui.’ Putz, só chorava, contou.
O momento foi traumático. Com medo de perder a oportunidade da vida, Jorginho se viu sem dinheiro e sem saber o que fazer. Por sorte, o pai de um amigo, que trabalhava no aeroporto, o acolheu por uma noite.
– Tive muita sorte porque, na época, o pai de um menino que jogava comigo nesse projeto – o pai do Bernardo – trabalhava no aeroporto. Se não me engano, era na Polícia Federal. Ele veio, me pegou e me levou para a casa dele. Eu estava lá, sem dinheiro, sem nada. Ele me ajudou muito, fiquei uma noite lá, acho que só uma mesmo. Depois, peguei o avião e voltei para casa. Não tinha jeito, precisava voltar e resolver toda a documentação, completou.
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“Será que ainda vou?”: medo de perder tudo
Os dias seguintes foram de angústia. O jovem Jorginho temia que sua vaga no Verona fosse cancelada.
– Imagina só a minha cabeça… Liguei para minha mãe e meu pai do aeroporto, chorando, e eles não conseguiam acreditar. Eu estava em choque. Chorei muito. É um medo danado, né? ‘E se eu não for mais?’ Vai que mudam de ideia, né? Ver todos os meus amigos indo… Nossa Senhora. Foi difícil, muito difícil, relembrou.
Felizmente, a oportunidade foi mantida. Um mês depois, acompanhado de um empresário italiano, embarcou em definitivo. Passou por Florianópolis, São Paulo e Frankfurt até chegar ao destino final: Verona.
“Era 27 de novembro”, frisou, com a data gravada na memória.
Do ensopado ao estrelato: uma jornada de superação
Muito além do desafio logístico, havia uma carga emocional intensa nessa mudança. Durante o tempo em Guabiruba, cidade vizinha a Imbituba, o garoto que sonhava com a bola teve de enfrentar o dia a dia difícil no alojamento do projeto italiano. Lá, o ensopado servido quase todos os dias se tornou um símbolo do sofrimento.
“Era bater o cheiro e o estômago virava”, costumava dizer.
No entanto, ele também carregava um sentimento de frustração. Nenhum clube brasileiro acreditou em seu futebol. Nenhum ofereceu a chance que agora, finalmente, o Flamengo proporciona.
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Frio na barriga de novo, mas por um novo sonho
Ao pisar no aeroporto de Verona pela primeira vez, em 2007, Jorginho sentiu o frio na barriga que marcaria o início de uma história de sucesso no futebol europeu. Agora, quase 18 anos depois, ele revive a mesma sensação ao desembarcar no Rio de Janeiro.
Mas, desta vez, o frio não vem da incerteza, e sim da expectativa. Depois de tantos “nãos”, o meia chega como protagonista. Está pronto para viver o que o destino parecia ter reservado desde o início: brilhar com o Manto Sagrado diante da Nação Rubro-Negra.
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Mundial logo na chegada: reencontro com o Chelsea
A missão começa grande. Jorginho terá pela frente o desafio do Mundial de Clubes da FIFA 2025. A fase de grupos reserva um reencontro especial com o Chelsea, equipe pela qual conquistou títulos importantes. Além disso, o Flamengo enfrentará Espérance (TUN) e LAFC (EUA), numa jornada que pode coroar o retorno do brasileiro com um título inédito na carreira.