
O meio-campista Gerson está cada vez mais próximo de deixar o Flamengo após a disputa da Copa do Mundo de Clubes da Fifa. O jogador aceitou a proposta do Zenit, da Rússia, que vai pagar à vista a multa rescisória estipulada em 25 milhões de euros (R$ 158 milhões).
A decisão, no entanto, envolve uma polêmica contratual. Na renovação de abril deste ano, o Rubro-Negro havia reduzido a multa de 200 milhões de euros para os atuais 25 milhões, como uma contrapartida à dificuldade em atender a pedida salarial do atleta.
Cláusula de direito de imagem trava acordo
O ponto mais delicado da negociação não está na multa, mas em uma cláusula específica do contrato de direito de imagem de Gerson. O Flamengo exige o pagamento de cerca de R$ 36 milhões em caso de rompimento unilateral, além dos 25 milhões de euros.
Enquanto o Rubro-Negro sustenta que esse valor deve ser quitado, o estafe do jogador e o próprio Zenit entendem que o montante se limita exclusivamente à multa rescisória e que não há obrigação de pagar qualquer valor extra.
O que dizem os especialistas
O advogado trabalhista e desportivo Rafael Teixeira Ramos explica que a discussão é complexa, principalmente após mudanças no regulamento internacional.
— Em relação ao contrato de imagem que está vinculado ao Contrato Especial de Trabalho Esportivo (CETE), é importante destacar que ele é um documento acessório e não pode incluir um centavo a mais que impeça a transferência do atleta, especialmente com as novas regras de transferência da FIFA, como no caso do Lassana Diarra. No entanto, a Lei Geral do Esporte e a Lei Pelé não proíbem a acumulação de outros contratos de imagem do jogador que não estejam diretamente ligados ao CETE. Se o jogador e sua equipe concordarem, esses contratos podem ser analisados pela Justiça do Trabalho — explicou.
Por outro lado, o advogado trabalhista Theotonio Chermont defende que o Flamengo tem respaldo legal para cobrar a cláusula de imagem:
— Sobre a validade do contrato de cessão, exploração e uso da imagem do atleta, como se trata de um contrato acessório ao contrato especial de trabalho desportivo, normalmente ambos têm a mesma duração. Na prática, é complicado para um clube explorar a imagem de um atleta que está vinculado a outra equipe, especialmente por conta de possíveis conflitos com patrocinadores.
Ele completa:
— O artigo 164, § 3º, da nova Lei Geral do Esporte (14.597/2023) afirma que “a utilização da imagem do atleta pela organização esportiva poderá ocorrer durante a vigência do vínculo esportivo e contratual”, o que reforça essa impossibilidade. No caso em questão, fica claro que o Rubro-Negro pode exigir do atleta (ou de sua pessoa jurídica) o pagamento da multa acordada, que parece ser indiscutível. Não acredito que essa obrigação recaia sobre a equipe estrangeira que nem participou das negociações, a menos que haja um acordo nesse sentido — analisou Chermont.
Quem decide o impasse?
A tendência é que o caso acabe sendo judicializado. No entanto, isso não impede a saída de Gerson nem seu registro no novo clube. A disputa pode ser levada tanto para a Justiça Comum quanto para a Câmara Nacional de Resolução de Disputas (CNRD) da CBF, dependendo do foro eleito no contrato.
— Quanto ao foro competente, seria necessário ter acesso ao contrato para verificar qual deles foi escolhido — Justiça Comum ou CNRD — pois ambos podem ser competentes, dependendo da escolha. Nesse caso, a Justiça do Trabalho não teria jurisdição, já que se trata de um “ajuste contratual de natureza civil e com fixação de direitos, deveres e condições que não se confundem com o contrato especial de trabalho esportivo” — explicou.
O advogado e colunista do UOL, Andrei Kampff, também comentou que o tema pode abrir um precedente relevante:
— Caso exista a cláusula, com objeto lícito, o clube deve ter direito a uma indenização pelo rompimento do contrato de imagem, o que pode abrir precedente importante de proteção aos clubes. Lembrando que a lei brasileira permite até 50% da remuneração paga em imagem, esse é um caminho possível e interessante. Mas, de novo, isso não impede saída e registro em outro clube — concluiu.
Fim de mais um ciclo no Flamengo
Se a transferência se confirmar, Gerson encerrará sua segunda passagem pelo Flamengo. Revelado no Fluminense, o meia chegou ao Ninho do Urubu em 2019, vindo da Roma. Foi um dos pilares do time campeão da Libertadores e do Brasileirão naquele mesmo ano sob o comando de Jorge Jesus.
Vendido ao Olympique de Marselha em 2021, retornou ao Flamengo em janeiro de 2023. Com a camisa rubro-negra, conquistou uma série de títulos:
- 1 Libertadores
- 2 Brasileiros
- 1 Copa do Brasil
- 1 Recopa Sul-Americana
- 3 Supercopas do Brasil
- 4 Campeonatos Cariocas
Agora, a novela sobre sua saída envolve não apenas uma despedida, mas uma discussão que pode se tornar histórica no futebol brasileiro e até influenciar futuras negociações.